Empresários são os novos ídolos pop de um Brasil em crise e cada vez mais evangélico

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Hordas de fãs prontos para amar, prestigiar e até defender seu ídolo são comuns. Mas, ao contrário das últimas décadas, quando cantores, artistas ou grandes esportistas monopolizavam a idolatria do público, os últimos anos marcaram a ascensão dos empreendedores bem-sucedidos como os novos ídolos pop.

Empresários “self-made”, aqueles que conseguiram algo por algum tipo de “esforço próprio”, agora possuem milhões de seguidores nas redes sociais, causam aglomerações e reúnem milhares em eventos organizados para falarem sobre suas expertises.

Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, essa mitificação do empresário é consequência do neoliberalismo e avança em meio ao aumento do desemprego. Afinal, em um ambiente em que cada indivíduo é responsável pela própria trajetória, os que se destacam em um período negativo atraem uma mitificação e a esperança de o fã repetir tal roteiro de prosperidade.

Tal conjunção de fatores reforça a idolatria aos empresários do país. Mas, para além do elemento econômico, há também a influência das redes sociais, mais presentes no dia a dia, e do neopentecostalismo, que cresce por aqui, e contém dentro da doutrina religiosa um forte apelo empreendedor.

Para Christian Dunker, psicanalista e professor da USP (Universidade de São Paulo), por exemplo, pequenos empresários brasileiros, com baixa remuneração, seguem esses rockstars e usam, agora, o status também de “empreendedor” como consolo para se diferenciar em meio a um ambiente de crise que perdura há cerca de cinco anos.

“Muita gente saiu da classe média e foi para a classe média baixa nesse período. Nessa hora, a ideia de que você é um empresário consegue mudar a sua representação social. Você não é mais um desempregado, alguém que fracassou em um certo jogo de determinadas regras, mas você é um pioneiro em um novo jogo de novas regras. Por isso, você deseja seguir gente como você”, disse.

Fãs de empresários

Nas redes sociais, as páginas de empreendedores ou mesmo de marcas que vendem o sucesso são comuns. Comentários de extrema admiração ou de comparação com os empreendedores fazem parte da rotina das novas celebridades.

As páginas da empreendedora Camila Farani, que participa do programa Shark Tank, que mostra empreendedores apresentando ideias de negócios, contam com milhares de comentários elogiosos de fãs que veem na empresária uma inspiração, com uma aura de rockstar.

“Você é minha inspiração de business woman“; “Sou tua fã”; “Cada dia admiro mais”; são algumas das reações nos comentários do Instagram de Farani.

Essa admiração também extrapola as redes sociais. Flávio Augusto, fundador da Wise Up e da plataforma MeuSucesso, costuma reunir quase 4 mil participantes todo início de ano para falar sobre as expertises, desafios e oportunidades de negócios. Ovacionado pelo público, o evento parece um grande concerto musical.

Nem mesmo a pandemia do novo coronavírus esfria tal popularidade. Em outubro do ano passado, o empresário Luciano Hang, fundador da Havan, causou um furor e foi alvo de críticas em Belém (PA), onde milhares de pessoas se reuniram para acompanhar a abertura de uma unidade e reverenciar o empreendedor.

Em vídeos divulgados nas redes sociais, Hang aparece correndo em frente a multidão e é ovacionado pelos presentes. No Instagram, já existem páginas de fãs-clubes voltadas aos admiradores de Hang e Farani, por exemplo, com milhares de seguidores.

Essa presença mais próxima ao público, possibilitada pelas redes, faz com que o discurso pró-empreendedorismo ganhe corpo, segundo os especialistas, o que explica tal mitificação de empresários de sucesso.

“Se você tem grandes empresários nas redes o tempo todo doutrinando, mostrando o que fazem, ideologizando sua prática, é possível que haja repercussão popular e adesão ao discurso empreendedor ou um fortalecimento daquilo que pode alcançar o mesmo patamar do empresário”, disse Ruy Gomes Braga Neto, professor do departamento de Sociologia e especializado em sociologia do trabalho.

Camila Farani sentada em sofá

Neoliberalismo e crise

Para os especialistas consultados pela BBC News Brasil, ao promover uma agenda de competição entre os indivíduos, o neoliberalismo, que vem se aprofundando na agenda econômica brasileira nos últimos anos, fomenta a admiração aos bem-sucedidos empreendedores.

“No neoliberalismo a sociedade é formada por um conjunto de indivíduos que competem entre si. Essa ideologia ocorre no nível econômico, mas também precisa ser renovada no nível subjetivo, pois o indivíduo precisa de fontes de vontade para manter-se no jogo. Ele precisa ser competente, caso contrário, ele não se mantém no mercado e não há espaço para solidariedade e outros valores que não sejam os valores econômicos”, afirmou Neto.

Portanto, em um ambiente competitivo, em que o homem passa a ser analisado também como uma empresa, aquele que ganha o jogo é admirado – independentemente de o empreendedor vencedor ter tido condições diferenciadas ou não durante sua trajetória.

“Essa lógica vai produzir uma aspiração ao reconhecimento por aquele que é o campeão, o que está acima dos outros dentro de uma competição. Ao admirar alguém assim, você reconhece que a regra do jogo é aquela. Um ganha e outro perde”, afirmou Dunker.

“Esses empreendedores modelos estão ligados a essa vitória no mercado. Essas pessoas estão na mídia, fazem parte da TV, aportam muito em propaganda. Então, eles viram ídolos de empreendedores populares que jamais terão condições de competirem nos mesmos moldes”, completa.

Desde 2013, o Brasil também passa por um aumento quase constante do desemprego. Ao fim do último trimestre daquele ano, o desemprego era de 6,2% da população em idade de trabalhar, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Já no último trimestre, o percentual chegou a 14,7%, o que representa cerca de 14,8 milhões de pessoas sem trabalho formal.

Sem escolha, a falta de alternativas formais empurrou milhões de pessoas a empreender. De acordo com Joelson Sampaio, coordenador do curso de economia da FGV, a crise obriga as pessoas a tomarem mais riscos.

Assim, ao mirar os empreendedores bem-sucedidos, os novos fãs buscam uma referência para fugir de uma realidade de perda de renda ou desemprego, por exemplo.

Homem mexe em celular

“Esse movimento em que as pessoas se espelham [em empreendedores de sucesso] tem uma relação com uma conjuntura econômica, quando muitas delas têm uma expectativa, em termos de crescimento e resultados econômicos, ruim”, disse Joelson Sampaio, coordenador do curso de Economia da FGV.

Sampaio destaca ainda as recentes mudanças na economia trazidas pelo advento da tecnologia. Segundo o estudioso, nos últimos anos houve um boom de novos negócios, como startups, que reduziram a barreira de entrada de novos empreendedores.

“É um movimento positivo, pois esses empreendedores viram referências, um ciclo positivo que se retroalimenta. Com a nova economia digital, as barreiras de entrada ao empreendedorismo são menores do que de outros tempos, então é mais fácil as pessoas empreenderem, abrir um negócio, vender seus produtos e serviços via plataformas, por exemplo”, completou.

Para Dunker, há, porém, elementos tipicamente brasileiros que dão um tom alternativo ao empresário brasileiro. Segundo o estudioso, no Brasil, a ascensão desses novos empreendedores bem-sucedidos não envolve sentido de gratidão ou dívida simbólica com aqueles que o auxiliaram para o sucesso, como a família de origem, universidades, chefes educadores, por exemplo, como ocorre nos EUA.

Além disso, empresários brasileiros usam a condição de empresário para esconder certo déficit cultural, como se isso o desobrigasse a uma educação formal, de acordo com a análise de Dunker.

“Hoje, o pequeno comerciante se chama de CEO da empresa. Há um universo linguístico de reconhecimento. É como aquela sensação da criança que tem vergonha do pai nas festas, porque isso mostra as origens dela de ainda ser criança. Ao invés de você agradecer a pessoa humilde que compra do seu comércio, você acha que vai sentar na mesa com os formados em Harvard, Yale”, disse o psicanalista da USP.

Religião é fator de influência

Mas, não só a crise ou o fomento do neoliberalismo à brasileira que completam o quadro. A mudança do perfil da religiosidade dos brasileiros nos últimos anos também influencia no comportamento em relação aos novos ídolos empreendedores, segundo os especialistas.

Para Ruy Gomes Braga Neto, com o número de evangélicos neopentecostais crescendo no País, há uma afinidade do empreendedorismo popular junto a esse crescimento do neopentecostalismo.

“Quando você observa as igrejas neopentecostais mais conhecidas, todas as igrejas têm um forte componente empreendedor e fazem propaganda disso, do bispo que rompeu com a Igreja Católica, fundou a própria igreja e hoje é um grande conglomerado”, diz.

De acordo com dados do Censo do IBGE, os evangélicos foram o segmento religioso que mais cresceu no Brasil nas últimas décadas. A população que se declara evangélica passou de 6,6%, em 1980, para 22,2% em 2010 – o que representava cerca de 42,3 milhões de pessoas.

Para Neto, o chamado ao empreendedorismo ocorre, também, na esfera do sagrado, ganhando força e representação em todos os estratos populares.

“[O neopentecostalismo] traz um elemento empreendedor muito forte no discurso religioso, que se traduz em uma ética religiosa adotada por esses trabalhadores. Você tem um elemento que não é propriamente econômico, mas sim um aspecto cultural e religioso que é muito forte. E isso é uma fonte poderosíssima de convencimento para o empreendedorismo voltado ao popular”, afirma.

BBC News

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