Embora afirmem que é necessário um aprofundamento nas investigações, especialistas em segurança pública ouvidos por O TEMPO divergiram sobre a ação da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) neste domingo (31) em Varginha, no Sul de Minas.
A operação foi realizada contra um grupo que, segundo a polícia, se preparava para assaltar instituições financeiras e transportadoras de valores, no que é conhecido como “novo cangaço”. A ação resultou em 25 suspeitos mortos. Nenhum policial foi ferido ou morto. No início da noite, a polícia confirmou que uma 26ª pessoa morreu durante o confronto, mas não informou se ela integrava o grupo criminoso.
A operação ocorreu em duas chácaras da cidade. Na primeira, 18 pessoas foram mortas; outros sete suspeitos morreram no segundo local. Não está claro onde a 26ª pessoa foi morta. Segundo as forças de segurança, a intenção inicial era prender os envolvidos, mas eles entraram em confronto com a polícia, que revidou. Conforme o Batalhão de Operações Especiais (Bope) da PMMG, alguns suspeitos chegaram a ser socorridos ainda com vida, mas não resistiram.
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) informou, por meio de nota, que os suspeitos possuíam um “verdadeiro arsenal de guerra”. Foram apreendidos fuzis, metralhadoras ponto 50, explosivos e coletes à prova de balas, além de vários veículos roubados e diversos “miguelitos” (objetos feitos com pregos retorcidos usados para furar os pneus das viaturas policiais).
Advogado criminalista e pesquisador em segurança pública, Jorge Tassi considera que em situações como a que ocorreu em Varginha não existe mais a possibilidade de uma atuação preventiva porque as forças policiais estão em uma circunstância de embate direto com organizações criminosas estruturadas e capazes de cometer crimes de “altíssima gravidade”.
“Nós não estamos falando de uma atuação preventiva porque todas as cláusulas, as circunstâncias de você verificar se aquela pessoa está envolvida com o crime, se ela tem responsabilidade e se é perigosa, tudo isso já foi superado. Estamos dentro de uma ação que muito provavelmente vai envolver alta letalidade”, disse.
“O foco desse policial é efetivamente reprimir. E neste caso, o grau de treinamento do policial faz com que a letalidade seja muito maior do lado da polícia, em que impera a solidariedade entre os membros e o trabalho em equipe, do que do lado da organização criminosa, onde falta isso”, declarou o especialista.
Tassi afirma que é necessário realizar perícia, reconstituição no local do crime e uma investigação para apurar todas as circunstâncias envolvidas na ação.
“Temos que comemorar que nenhum policial veio a falecer e temos que verificar se abusos foram cometidos. Mas de fato, aqueles criminosos que ali estavam não permitem diálogo. Efetivamente, eles vão gerar a eclosão de confrontos, que têm que ser respondidos na mesma altura, o que infelizmente acaba gerando a letalidade [morte] de pessoas”, afirmou.
Já o membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e especialista na área, Robson Sávio, tem uma visão distinta. Ele afirma que, pelas informações divulgadas até agora, a ação não tem características de confronto, como divulgado pelas forças policiais.
“Está sendo apresentado como um confronto de duas partes, mas, em um confronto entre partes altamente armadas, espera-se no mínimo algum tipo de vitimização de ambos os lados”, afirmou ele. “Nesse caso, somente o lado dos infratores teve baixas e baixas fatais, e do outro lado [da polícia] não houve nenhuma baixa. Isso, a princípio, é algo totalmente fora do conceito tradicional de confronto”, declarou o especialista, acrescentando que, a princípio, não é possível levantar nenhuma hipótese sobre o caso.
Segundo Robson Sávio, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, do qual é presidente, está monitorando o caso e vai pedir informações para esclarecer o que de fato ocorreu à Ouvidoria de Polícia, à Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) e ao Ministério Público, que é responsável por controlar a atividade policial. Ele ressalta que, até agora, só há a versão dos policiais.
“Precisamos atuar no sentido de que os agentes do Estado Democrático de Direito sempre exerçam o controle da criminalidade nos limites das leis e dentro dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, e também do que apregoa inclusive convenções internacionais ratificadas pelo Brasil […] Não estou querendo dizer que há algum problema, mas é preciso que esse evento seja melhor esclarecido”, afirmou o presidente do conselho.
Policiais: objetivo era realizar prisão, mas houve confronto
Representantes da Polícia Militar de Minas Gerais e também da Polícia Rodoviária Federal, que participou da ação por meio do Grupo de Resposta Rápida (GRR), disseram em coletiva na tarde deste domingo (31) que inicialmente a ideia da operação era realizar a prisão dos suspeitos, mas que eles reagiram e houve confronto.
“Infelizmente 25 criminosos partiram para o confronto e acabaram perdendo a vida, mas eu prefiro que eles percam a vida do que alguns dos nossos policiais. A ideia era fazer a prisão dos indivíduos, porém a partir do momento que eles notaram a presença dos policiais, eles partiram para o confronto e aí justifica-se a importância dos grupamentos especializados”, disse o chefe de comunicação da PRF em Minas, Aristides Júnior.
Em contato com posterior com O TEMPO, ele disse que é cômodo para quem não participou da operação comentá-la, “tanto aqueles que são favoráveis como os que são contra”.
“O que tem que ficar bem claro é que quem iniciou a ação, ou seja, quem atirou primeiro, foram os criminosos. Os policiais revidaram a ação, o que demonstram que eles [suspeitos] não estavam dispostos a se entregar ou a qualquer tipo de acordo com os policiais. O ponto positivo é que nenhum cidadão de Varginha e da região correu algum tipo de risco. Nenhum cidadão de bem e nenhum policial pagou com a vida em mais uma ação criminosa dessa quadrilha, que todos tiveram oportunidade de ver o que eles fizeram no interior de São Paulo”, disse o porta-voz da PRF em Minas Gerais, se referindo à ação ocorrida na cidade de Araçatuba.
O comandante do Bope adotou linha similar. “Definida as táticas de abordagem pelo Bope e pelo Grupo de Resposta Rápida, fomos recebidos a tiros e os militares precisaram revidar a injusta agressão para protegerem suas vidas”, declarou o tenente-coronel Rodolfo Fernandes.
O Tempo